25.10.05

7. A estrutura arquitectónica das catedrais góticas: o exemplo de Amiens

__ Catedral de Amiens: uma das fachadas do transepto, com o respectivo portal encimado por janelas e rosácea; repare-se nos arcobotantes que lateralmente suportam o corpo do transepto.
__ Catedral de Amiens: pormenor de um arcobotante.
__ Catedral de Amiens: a rosácea do transepto vista do interior; note-se a abóbada de cruzaria de ogivas e os respectivos pilares de sustentação.
__ Catedral de Amiens: pormenor do interior, sendo bem visivel a função de descarga do peso da abóbada que os pilares desempenham.
__ Catedral de Amiens: o hemiciclo do coro com a arcada formada por arcos quebrados sucessivos, rematados no topo por uma abóbada de cruzaria de ogivas mais complexa e paredes em vidro.
__ Catedral de Amiens: vista do interior, com as arcadas formadas pelos arcos quebrados encimados pelo trifório e este pelas janelas clerestóricas; repare-se como o peso da abóbada descarrega nos pilares de sustentação.
__ Catedral de Amiens: perspectiva da nave central, delimitada pelas respectivas arcadas, e com a cabeceira ao fundo.
A estrutura arquitectónica da catedral gótica nasce do modelo inicial da Abadia de Saint Denis, aperfeiçoado com os progressos técnicos a partir daí verificados; também a rivalidade entre as cidades e respectivos bispos estimulou os arquitectos a elevar cada vez mais as naves das catedrais, tornando a verticalidade o seu aspecto mais característico. Os elementos essenciais da técnica construtiva do gótica são: arco quebrado - formado por dois segmentos de círculo que se intersectam e, por ter maior verticalidade, faz com o peso exercido seja menor que o do arco de volta perfeita do estilo românico; abóbada de cruzaria de ogivas - formada por dois arcos quebrados que se cruzam na diagonal e transmitem o impulso a quatro pontos, funcionando como um esqueleto de pedra que pode ser preenchido com materiais mais ligeiros, fazendo com que a abóbada gótica seja menos pesada que a românica e dando-lhe maior flexibilidade; o peso da abóbada é descarregado nas nervuras e conduzido aos pilares (no interior) e aos arcobotantes (no exterior); arcobotante - arco de descarga que transmite o peso da abóbada para o exterior, apoiado no contraforte ou botaréu, permitindo construir naves mais altas sem pôr em perigo a estabilidade do edifício. Tal como no românico, a catedral gótica adopta a planta de tipo basilical em cruz latina, com a cabeceira virada a este (para a cidade santa de Jerusalém) e o corpo principal dividido em 3 ou 5 naves. Em relação ao modelo anterior registam-se, contudo, transformações significativas. A nível interno: o transepto torna-se muito mais largo e pouco saliente, e a cabeceira mais complexa, ocupando cerca de 1/3 da área total da igreja; por detrás do altar-mor e do coro, o deambulatório prolonga-se até ao transepto, na continuidade das naves laterais; os pilares das arcadas aumentam em número mas são mais delgados e muito mais altos, acentuando a verticalidade do edifício, para o que contribuia também a proporção entre a altura e a largura da nave principal; as paredes laterias e as que se erguiam acima da arcada central obedecem a uma nova ordenação: inicialmente com quatro níveis de aberturas (arcadas, galerias, trifório e clerestório), passam a ter apenas três a partir do século XIII, com a supressão da galeria, permitindo o alongamento das arcadas e das janelas do clerestório, sublinhando as linhas verticais; as paredes são quase integralmente substituídas por vidro, e as rosáceas da fachada tornam-se imponentes e revestidas por coloridos vitrais. Estas alterações contribuiram para eliminar as barreiras físicas e visuais entre as diferentes partes do interior da igreja, definindo uma nova concepção do espaço, que se torna mais amplo, e evidenciando todo o esqueleto construtivo. A nível externo: as entradas da catedral tornam-se monumentais em todas as fachadas (a principal, de portal triplo, e as do transepto); os portais encontram-se talhados num corpo saliente da fachada, e ladeados por torres sineiras que imprimem maior verticalidade ao conjunto, podendo estar também adossadas ao transepto; as torres terminavam em telhados cónicos ou em flechas rendilhadas, e prolongavam-se em pináculos e agulhas que acentuam os elementos verticais da construção. Também no exterior se concentrava a abundante decoração escultórica, contrastando com a maior sobriedade do interior.
»»» Construída num tempo recorde para a época (entre 1220 e 1270), Nossa Senhora de Amiens é considerada uma das maiores catedrais de França, com 8000 m2 de superfície. Uma imensa nave, cuja abóbada se eleva a 42 metros, arcadas de 18 metros, janelas da altura de 12 metros, um coro de uma perfeição arquitectónica inegável, formada por 4 tramos e um hemiciclo de 7 panos, tornam-na na igreja gótica por excelência. Os três célebres portais da fachada oeste servem de mostruário de algumas das obras primas da estatuária gótica. Ao centro, o portal do Salvador, onde Cristo acolhe os visitantes; o tímpano, consagrado ao Juízo Final, é rodeado por 150 estátuas. De um e de outro lado, os portais da Mãe de Deus e de S. Firmino. Ao alto, a galeria dos reis da Judeia. A catedral é igualmente reputada pelo labirinto octogonal da nave, em preto e branco, que os fiéis percorriam de joelhos, em penitência; uma tira de cobre, no seu centro, indica a data do início dos trabalhos, os nomes do bispo fundador, do rei e dos mestres-de-obras. Dois túmulos episcopais em bronze, do começo do século XIII, são igualmente visíveis. Uma excelente visita virtual à catedral está disponível nesta página web: Amiens. «««
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Arquitectos ao serviço de Deus
"As catedrais são a manifestação extraordinária de um esforço de construção sem precedentes. (...) foram construídas por homens remunerados, apoiados na sua fé e encorajados pela população de que faziam parte e sob o impulso de uma rivalidade entre as cidades. Os meios que permitiram tais construções resultaram essencialmente de contribuições voluntárias, através de incentivos apoiados nas convicções religiosas, na crença dos doadores e na pressão da população. A pouca documentação disponível, em desenhos ou maquetas, levou a que, por vezes, se desenvolvesse a ideia de que o projecto de uma catedral tomava apenas forma no estaleiro. Mas é evidente que a importância e a complexidade de um tal edifício exigisse estudos preparatórios e desenhos rigorosos. (...) Os desenhos a partir dos quais se implantava o edifício, e a respectiva planta, obedeciam a esquemas geométricos que permitiam a sua reprodução, com precisão, à escala pretendida. (...) Como se passava do desenho do projecto à respectiva execução? Não era necessário saber ler para compreender e para reproduzir uma construção geométrica e, se o método do traçado era claro, podia ser aumentado a qualquer escala. Partindo do circulo, do triângulo equilátero, do quadrado, do pentagono, do que deles podia derivar e das suas combinações, todos os traçados eram possíveis. (...) A construção de grandes igrejas, à medida da evolução e dos progressos da técnica, exigiu profissionais cada vez mais qualificados. Dos séculos XI ao XIII, os monges, entre os quais alguns eram mestres-de-obras experientes, cedem pouco a pouco o lugar, mesmo prara a construção de igrejas monásticas, a verdadeiros arquitectos-engenheiros (...). Alguns foram chamados a construir em toda a Europa. A mão-de-obra incluía operários especializados que se deslocavam de estaleiro em estaleiro, dado estes serem frequentemente interrompidos devido a falta de financiamento, na sequência de acontecimentos políticos ou de epidemias."
Roland Bechmann, "Un architecte au service de Dieu", Historia Thematique, 74 (2001), pp. 15-22.