13.10.05

5. O letrado Dante Alighieri: a cidade e a escrita


__ Pintura a fresco de Domenico de Michelino, 1465, catedral de Florença, representando dois dos aspectos mais importantes da vida de Dante, a forte ligação à sua cidade natal, Florença, e a escrita da obra que o imortalizou, A Divina Comédia; a pintura mostra, de facto, a concepção medieval do cosmos, baseada na omnipresença da religião, que estrutura todo o seu poema.
Dante Alighieri (1265-1321) pode ser apresentado, devido ao seu percurso de vida e às actividades a que se dedicou, como um homem que exemplifica o desenvolvimento das cidades na Europa medieval, e a sua cada vez maior importância económica, política e cultural. Nascido em Florença, uma cidade muito dinâmica em termos populacionais e comerciais, a partir de 1290 começa a dedicar-se à escrita, influenciado por poetas seus contemporâneos, caso de Brunetto Latini e Guido Cavalcanti. É possível que tenha também frequentado estudos universitários. O governo comunal da cidade era então exercido por representantes eleitos das corporações de operários, artesãos e outros profissionais. Assim, Dante acaba por ser nomeado, em 1300, como um dos dirigentes, mas devido ao modo como conduziu a governação, suscitanto a forte oposição de grupos rivais, foi condenado ao desterro. A partir daí viveu sempre fora de Florença, vindo a morrer em Ravena. A sua experiência política levou-o a escrever livros onde defende ideias bastante inovadoras, nomeadamente a de que ao Estado compete o poder político e à Igreja apenas o poder espiritual, enquanto intermediária entre Deus e os Homens. O facto de passar a escrever em vernáculo, em italiano, contribuiu também para diminuir o poder dos eclesiásticos; de facto, a língua da cultura era então sobretudo o latim, apenas dominado pelo clero, o que tornava o conhecimento pouco acessível ao povo comum; situação que começa a inverter-se a partir do momento em que que se escrevem mais livros nas línguas próprias de cada país, as que na verdade eram faladas. A sua obra maior, A Divina Comédia, escrita no exílio, é um longo poema dividido em três partes, no qual Dante descreve minuciosamente a sua viagem imaginária pelo Inferno, Purgatório e Paraíso, acompanhado por Virgílio, o famoso poeta da Antiguidade romana, e depois por Beatrice Portinari, a sua sempre amada. A estrutura do poema revela uma simetria matemática baseada no número 3: são três as partes, três os versos de cada estrofe (tercetos) e trinta e três os cantos, evocando o dogma cristão da Trindade, também presente no triplo portal característico da catedral gótica. Além de apresentar o modo como o Homem medieval concebia o universo, o poema revela sobretudo o percurso pessoal de Dante, que, encontrando-se em pecado, inicia um processo de ascensão e purificação gradual até chegar ao Paraíso, identificado com a luz absoluta, enquanto que o Inferno permanecia na obscuridade da terra. Ou seja, mostra que a salvação do Homem, o chegar a Deus, passava por um processo de iluminação gradual, ideia que remonta ao século XII e que esteve na origem da concepção arquitectónica das catedrais.
»»» Sobre Dante e a sua obra literária existe uma página web bastante completa, em português do Brasil, onde pode ser consultado o poema no original italiano e em tradução, além de muitas imagens alusivas ao mesmo, em A Divina Comédia. «««