12.10.05

4. A cidade como palco: as festas do casamento de Leonor de Portugal com Frederico III da Alemanha


__ Vista panorâmica da cidade de Lisboa no princípio do século XVI, segundo uma iluminura atribuída a Francisco de Holanda (Museu Condes Castro Guimarães, Cascais); no ponto mais alto, o morro do castelo, ficava situado o palácio real, e um pouco mais abaixo, na encosta, a sé catedral; é também visível a praça do rossio e o cais da ribeira.

__ Cena de um banquete de casamento, iluminura do livro Histoire d' Olivier de Castille et d' Artus d' Algarbe, Paris, BN.
Entre os dias 13 e 25 de Outubro de 1451 a cidade de Lisboa foi o palco e o cenário de um conjunto variado de festejos para comemorar o casamento da infanta Leonor de Portugal, irmã do então rei Afonso V, com o imperador da Alemanha, Frederico III. Aqui estiveram presentes embaixadores que representavam os reis de toda a Europa. Durante dias e noites realizam-se, em privado ou perante a população lisboeta, banquetes, danças, jogos, cortejos, touradas e matança de touros, cuja carne era distribuída pelo povo, exibição de animais e homens exóticos que haviam sido trazidos de África, torneios, justas, duelos e caçadas, representações teatrais, declamações de discursos de homenagem à princesa tornada imperatriz, cerimónias religiosas, festas populares e folguedos vários. Este conjunto de festas ocorreu em locais distintos da cidade: no castelo, onde então se localizava o Paço régio, em outros palácios, na sé catedral, nas praças, como a do Rossio, e nas próprias ruas. No itinerário das festas, o palácio e a catedral constituíam os "palcos" mais importantes, por representarem o poder político e o religioso, respectivamente, que se impunham sobre a cidade e os seus habitantes. Estas festas foram, assim, uma ocasião privilegiada para a encenação e exibição propagandística do poder do rei de Portugal, perante os embaixadores europeus e os seus súbditos. Mostram também o grau de desenvolvimento que as cidades alcançaram no século XV, que se havia iniciado no século XII, e a sua centralidade política, administrativa e cultural.
Nicolau Lanckman de Valckenstein, capelão imperial e embaixador alemão em Portugal, escreveu um relato muito pormenorizado dos vários festejos que antecederam a partida da princesa Leonor; apresenta-se aqui um pequeno excerto ilustrativo da sua obra:
"No dia 14 do mês de Outubro (...). Depois, prosseguindo, em quarto lugar, em frente da igreja metropolitana onde repousa o corpo de S. Vicente, estava o reverendíssimo senhor arcebispo, com os seus cónegos e outros muitos clérigos, paramentados, aclamando a senhora desposada, a imperatriz, Dona Leonor, que tinha chegado à sua frente, com os irmãos, as irmãs e os embaixadores, a cavalo com muito povo. A todos eles o dito senhor arcebispo deu-lhes a bênção. (...) Entretanto, uma criança, vestida de anjo, descia da torre alta da igreja, por um engenho de homens, trazendo uma coroa de ouro à senhora imperatriz, e cantando suspensa no ar (...). Havia sido armado aí um local à maneira de Paraíso e dele uma criança angelical, descia pelo ar das alturas, de certa janela da torre, trazendo rosas numa bacia dourada (...). (...) estava reunido muito povo, quase vinte mil pessoas de ambos os sexos, e foi pronunciado perante toda a multidão um discurso por um notável doutor, durante quase meia hora, em honra e louvor do sereníssimo senhor imperador, o esposo, e da sua dilecta esposa Dona Leonor (...)."
Aires Augusto Nascimento (trad.), Leonor de Portugal, Imperatriz da Alemanha, Lisboa, Edições Cosmos, 1986.